O Risco da “Paradinha”

Por Maria Eugênia Cardoso

Às vezes acontece de você ter que interromper os seus treinos de ciclismo por algum tempo para realizar alguma atividade, viajar, se recuperar ou mesmo focar em outras prioridades. É super normal, faz parte da vida e em alguns casos, é realmente necessário.

Se o break foi “mandatório”, assim que possível, você se organiza e já volta à rotina, afinal, dá muita saudade ficar longe da magrela, dos treinos, das amigas e da rotina saudável que a gente começa a levar uma vez que resolve ser uma ciclista comprometida.

Quando essa pausa não é necessariamente mandatória e é você quem determina quanto tempo vai ficar afastada, é aí que mora o perigo. Isso pode virar uma grande armadilha e olhando o meu exemplo, posso explicar um pouco melhor o que eu quero dizer.

Eu tive um ano bem intenso de treinos já que eu fiz a Maratona das Dolomitas e no segundo semestre estava inscrita no GFNY Portugal (prova inteira, mas que foi cancelada) e no L’Étape. Foi muito treino, idas à Campos, Romeiros até debaixo d’água, com temperaturas medonhas,  e quando terminei a última prova dia 29 de setembro, estava pronta para um descanso.

Resolvi só pedalar, seguir o treino mas sem ter um grande objetivo em mente a não ser manter a forma e ser feliz – e foi isso que eu fiz durante o mês de outubro. No dia 11 de novembro fiz uma cirurgia e o médico me pediu 40 dias fora da bike e como eu ia viajar para esquiar, era Natal/Ano Novo e é normal que o treino dê uma amenizada nessa época, achei esse pedido bem aceitável. Inclusive é bom ter o “off season” no esporte, ou seja, um período de descanso para o corpo e para a mente.

Rapidamente a minha vida tomou conta dos meus horários de treino assim que todo aquele tempo se mostrou desocupado. Entre sono, trabalho, viagens, coisas com as minhas filhas e marido, meu tempo foi preenchido por outras coisas e o treino começou a parecer uma realidade tããão distante, que nem parecisa que há poucos meses eu saia para pedalar por 4-5 horas e achava isso a coisa mais normal do mundo. E o pior: eu comecei a “gostar muito de tudo isso”, que nem no anúncio do McDonalds.

Mergulhei de cabeça no descanso. Fui viajar, esquiei, passeei e sempre que o assunto bicicleta vinha à tona eu sentia uma sensação imensa e indescritível de preguiça. Aquela preguiça que a gente até boceja e espreguiça quando fala dela. A idéia de acordar as 4:40 da manhã passou a ser uma possibilidade beeeem distante, sem falar na sensação de estar sendo engolida por uma poça de areia movediça cada vez que eu imaginava ir para Romeiros. Campos de Jordão então – pelamor. Mas ao mesmo tempo comecei a ficar um pouco preocupada. Até pedi para a Carol, minha amiga dar um pulinho na Igreja da padroeira dos ciclistas na Itália, Madonna del Ghisallo e fazer uma oração pedindo para a minha vontade de pedalar voltar. O meu marido dizia: “Calma Má, a vontade vai voltar na hora certa”.

E quando voltei de viagem semana passada sem nenhum impedimento entre eu e o treino, resolvi tomar vergonha na cara. Um dia desci e calibrei os pneus e pus óleo na corrente. Tentei acordar na sexta feira para ir à aula mas uma chuva me livrou do que parecia um esforço descomunal. No sábado tive um compromisso com as meninas, no domingo não consegui acordar por que fui dormir tarde… até que hoje eu me arremessei para fora da cama e, sem pensar muito, fui de uma vez. Ainda tentando me agarrar a alguma desculpa, quase desisti por  não lembrar a combinação do cadeado, mas meu marido me salvou… infelizmente.

Depois de toda essa batalha, quando saí e dei as 2 primeiras pedaladas depois de 2.5 meses sem sentar na bike senti aquela sensação DELICIOSA da musculatura trabalhando, o vento batendo no rosto, o barulhinho da roda e da troca de marchas. Foi amor à primeira vista de novo como se eu tivesse pedalado ontem. Encontrar com as minhas amigas, fazer o treino e depois tomar um café gostoso e me preparar para o dia de trabalho então, foi muito mais legal.

Em suma, depois de tudo isso eu estou convencida de que a inércia mora dentro de uma pocinha de areia movediça e tem tentáculos poderosíssimos. Se a gente cai nas garras dela, para sair é um sufoco. Todo mundo está sujeito e é por isso que as pessoas que não treinam como a gente não acreditam como conseguimos acordar tão cedo, tantas vezes por semana.

Quando der aquele preguição, reaja: “Xô preguiça, esse corpo não te pertence”. Salte da cama, se desprenda dos tentáculos da inércia e pense somente em uma coisa: como vai ser gostoso depois que o treino terminar, ou quando você chegar na USP ou na ciclovia e for recebida com sorrisos para todos os lados das suas amigas ciclistas. Ou quando aquela calça fechar, ou quando você perceber pela primeira vez que tem um músculo na perna que nunca tinha visto antes…. cada um tem a sua razão. E no final, vale muito à pena!

 

2 Comentários

  • Bia Parra

    Delícia se texto minha amiga e saiba, também nisso você não está sozinha. Meu marido que pedala ha 6 anos, aos sábados ainda se pergunta (gritando) às 5h da manhã POR QUE?? E eu sempre respondo, vc vai saber quando acabar; pq sim, tenho que falar em voz alta para também me convencer às vezes. Mas a verdade é porque amamos. O ciclismo nos torna livres. Parabéns pelo texto!!

  • Denise

    Ja tive 2 paradinhas obrigatórias, e confesso que não senti essa preguiça de voltar, aliás contava os minutos todos os dias.
    Mas sim, voltar não foi fácil , acordo 3:30 e pra pegar esse ritmo de novo , não é moleza não.
    Mas como vc mesma diz, pensar em encontrar as meninas e os novos desafios, sempre impulsionam a querer mais!
    Adorei seu texto, muito bem escrito e transmitido o sentimento! Obrigada por compartilhar essa experiência!

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